Nota: este texto reflecte apenas o pensamento e opinião do autor destas linhas, não representando uma posição oficial da Igreja Católica nem de nenhuma corrente religiosa.
Nenhum de nós nasceu a saber falar, ler ou escrever. Foi um processo de aprendizagem, em que os nossos pais, aos poucos, nos foram transmitindo a linguagem falada. Também nos colocaram na escola, onde aprendemos o alfabeto, a ler e a escrever. Também alguns de nós passámos pela catequese, onde aprendemos as bases da fé e da religião.
Mas para quem não teve a oportunidade de aprender a ler e a escrever, é impossível compreender, por exemplo, um poema que lhe seja apresentado. Da mesma forma, para quem não teve a oportunidade de ganhar os fundamentos da fé e de um sentido religioso, poderá ser algo difícil compreender esta "relação com Deus" a que Jesus nos convida. Na verdade, ninguém procura nem deseja o que não conhece.
Só um aparte, ao qual não resisto. Alguns pais preferem não inscrever os seus filhos na catequese porque eles têm o direito de, mais tarde, escolher a religião que quiserem. É verdade. Mas então a coerência diria para também não os colocarem na escola...
Mas, voltando ao tema.
Primeiro que tudo, convém referir que a a palavra “Deus” é apenas uma palavra. Poderíamos utilizar outras, como “Criador”, “Entidade Suprema”, “Energia do Universo” ou uma outra que viesse à nossa mente. A palavra aqui utilizada não é o mais importante. Essa palavra pretende apenas identificar algo que, a existir, transcende a nossa inteligência humana, algo tão grandioso e incomensurável que não nos é possível entender no seu todo.
Talvez por isso, essa “Entidade” se tenha feito homem na pessoa de Jesus Cristo, para vir ao nosso encontro e dizer, cara a cara, como nos quer bem, como podemos ser mais felizes e como nos criou POR Amor e PARA o Amor. E também como deseja ter uma relação próxima e pessoal com cada um de nós. É nisto em que os cristãos acreditam.
Mas de facto não é linear provar que Deus existe. Podemos encontrar indícios, sinais e linhas orientadoras de pensamento, mas provar por A+B, como um cientista faz, não é possível. Talvez só mesmo pelos olhos da fé e pela nossa experiência de vida. Apesar disso, talvez seja ainda mais difícil provar o contrário, que Deus não exista.
Por exemplo, à noite no silêncio e recolhimento do nosso quarto, sentados ou de joelhos, podemos fazer um momento de oração, em que dirigimos o pensamento para essa Entidade, Lhe abrimos o nosso coração e dizemos o que nos vai na alma. As nossas alegrias, as nossas angústias, os nossos sofrimentos, as nossas dúvidas… E parece que sentimos que “do outro lado” somos acolhidos, quase como se exista de facto um ouvido que nos escuta e alguém que nos acolhe. Alguém que nos conhece e deseja que vivamos uma vida mais plena. É no entanto importante estar com a mente serena e tranquila, obviamente de telemóvel desligado e longe do “ruído” das redes sociais. No fundo estamos a fazer uma chamada, só que é para Alguém muito mais importante…
O número Pi, como aprendemos na escola, é um número irracional, infinito. É um número fascinante, que tem intrigado os matemáticos ao longo dos séculos. Normalmente utilizamos uma aproximação (3,14159), mas na realidade nem mesmo o melhor computador poderá chegar ao seu valor exacto, simplesmente porque é… infinito. Se me perguntassem como posso eu "provar" a existência de Deus, eu responderia com este número, que existe mas que nenhum ser humano ou computador poderá nunca conhecer na sua totalidade. Assim acredito que seja Deus, infinito. Assim deve ser também o Amor que Ele tem por cada um de nós, desde o momento em que fomos concebidos e a nossa vida se iniciou.
Existem diversos indícios que nos podem levar a pensar na existência de uma “Entidade Criadora”, nomeadamente a Matemática, a Física, a Música ou a beleza de uma simples flor campestre. Tudo isto nos faz pensar que existe uma ordem, uma harmonia e uma estrutura por detrás destas coisas. Ou até mesmo aquela pessoa que nos sorriu precisamente no momento em que mais precisávamos.
Para o autor destas linhas, Deus é essa entidade; um grande Matemático, um grande Físico, um grande Artista que nos sabe presentear com o “Belo”, essa beleza da natureza que nos faz tão bem contemplar.
Uma vez ouvi numa palestra um físico falar sobre a evolução da vida no planeta terra. Já foi há alguns anos, pelo que não me recordo completamente do discurso, mas lembro-me bem de ele ter referido que a vida na Terra, tal como a conhecemos, só existe graças a uma incrível e altamente improvável coincidência de diversos factores físicos e cósmicos. Talvez seja mesmo uma coincidência, mas mesmo assim poderá existir uma ordem por detrás dela. Uma coisa é certa, temos este maravilhoso e belo planeta para viver e preservar para as gerações que virão depois de nós. Uma dádiva de Deus? Acredito que sim.
E se esse Deus de facto existir, então penso que só poderá ser bom se procurarmos ter uma relação com Ele. Da mesma forma que se não soubéssemos ler nem escrever, perderíamos um infindável mundo de cultura, literatura, filosofia, poesia, também aqui poderemos estar a perder algo que nos pode tornar muito mais ricos.
Quando hoje olhamos para o mundo à nossa volta, encontramos um mundo doente, cheio de desigualdades, fome, mentira, maldade, ganância desmedida, extremismo, violência, corrupção. Até poderíamos dizer que se esse tal “Deus” realmente existisse, não permitiria este estado de coisas.
A realidade é que nós, seres humanos, não somo autómatos pré-programados para fazer isto ou aquilo. Somos seres conscientes e responsáveis pelas nossas acções.
Um exemplo muito simples: penso que é relativamente óbvio que é errado atirar lixo para o chão. No entanto, qualquer um de nós pode tomar a decisão de o fazer, mesmo sabendo que é errado. Ou seja, não fomos criados como “robots” pré-programados, sem possibilidade de escolha. Mas ao decidirmos atirar lixo para o chão estamos a tornar o ambiente que nos rodeia sujo e feio, o que em nada contribui para a nossa felicidade ou alegria de viver. Nem de nós próprios, nem de quem nos rodeia.
Da mesma forma, o estado em que hoje a Humanidade se encontra é reflexo e consequência das escolhas conscientes e acções do próprio homem. O homem poderia tomar uma decisão mais sábia e escolher um caminho de maior felicidade e harmonia, mas parece que não o faz. Como diria Saint-Exupéry, “tudo no homem é paradoxal”…
Mas porquê então? Será que Deus abandonou o homem? Talvez não. Talvez seja sim o Homem "moderno" que já não tenha momentos de oração, momentos de silêncio, momentos de contemplação. Talvez seja sim o Homem "moderno" que se esteja a afastar de Deus.
Se Deus nos criou, então sabe o que é melhor para nós. E se nos criou por Amor, então só pode querer o nosso bem.
Para os cristãos, Jesus foi esse Deus encarnado, que nos terá vindo dizer “em pessoa” aquilo que é melhor para nós. Digamos que nos veio fazer “um desenho”, para que não existam dúvidas… Apelou-nos à chamada “conversão”, que nada mais é do que abrirmos as portas do nosso coração a Deus e procurar seguir o plano que Ele tem para cada um de nós. Um plano feito por Amor e que só poderá ser bom. Nas suas próprias palavras: “Eu vim para que tenham a Vida, e a tenham em abundância” (João 10, 10). Isso não significa ter apenas coisas agradáveis na vida. Se fosse assim, seria fácil… Uma vida em abundância é viver uma vida com sentido e com um propósito, vivida no Amor, numa relação com Deus e numa entrega aos outros. E isso traduz-se também numa vida mais feliz e plena, de coração cheio. E seguramente, também num mundo melhor.
Em resumo, Jesus transmite-nos o grande Amor que Deus tem por cada um de nós, por cada ser humano. Ele ama-nos na nossa melhor versão: tal como somos realmente, com todas as nossas imperfeições e fragilidades. Porque, para Ele, cada um de nós é único, especial e precioso.
E como nos é dito na parábola do filho pródigo, Ele está sempre pronto para nos acolher de braços abertos…
Uma relação com outra pessoa de quem gostamos, seja ela de amizade, namoro ou matrimónio, normalmente é sempre algo que nos enriquece. Mas para manter uma relação saudável com alguém é necessário dedicar tempo a essa pessoa. E da mesma forma, essa pessoa estar também ela disponível para dedicar algum do seu tempo a nós próprios. Se esse “trabalho” não for feito, ao longo do tempo a relação arrefece, vai definhando e eventualmente acaba mesmo por desaparecer.
Também com Deus podemos ter essa relação. E a forma de Lhe dedicarmos tempo e mantermos uma relação saudável é através da oração. E nem sequer é preciso ser muito crente; basta procurar ter um momento de silêncio e dedicar-Lhe algum do nosso tempo. Ou mesmo não sendo nada crente, podemos por exemplo ir para a Natureza e passar algum tempo a contemplar a sua beleza; a beleza da Criação. Tão simplesmente isto.
No entanto, hoje em dia é difícil rezar. Estamos mergulhados numa sociedade frenética e apressada, cheia do ruído dos media, que nos distrai e retira a serenidade e a paz interior. Parar para ter um momento de oração ou de leitura das Escrituras pode parecer uma perda de tempo; aparentemente não é tempo proveitoso, que dê lucro. Mas cultivar a oração é precisamente o contrário. É não nos deixarmos “levar pela corrente”. É dar importância a nós próprios e focar-nos naquilo que verdadeiramente contribui para a nossa felicidade e bem-estar.
E não devemos descurar o valor que tem uma oração sincera. Consta que Santa Mónica rezou anos a fio pela conversão do seu filho, Agostinho. Confiou inteiramente em Deus e alcançou essa graça. O seu filho buscava a Verdade e, aos 33 anos, não só se converteu, como veio a tornar-se num sacerdote, bispo e santo.
Mas qual é então o segredo? O segredo é que através da oração podemos aproximar-nos da Sabedoria. Essa Sabedoria que não encontramos escrita nos livros da escola, mas que vem simplesmente do Coração e da presença de Deus no nosso interior. E é como o sol, grátis e disponível para todos.
Finalmente, uma palavra relativa aos sacerdotes. São eles que procuram dar continuidade à pregação de Jesus Cristo, divulgar a Sua Palavra e alimentar a vida espiritual dos fiéis. Mas são também homens, com as suas vivências e percursos de vida únicos, que moldaram a sua maneira de ser e o seu discurso. E também com as suas limitações e imperfeições, assim como qualquer um de nós.
E depois, dentro da comunidade de padres, há: “os normais, que procuram servir com a simplicidade com que Nosso Senhor Jesus Cristo serviu. Depois há os santos, os muito santos e os santíssimos, que cuidam poder orientar, julgar condenar, os que não pensam como eles, que não servem ninguém mas apenas a sua prepotência, pretensa sabedoria e mais pretensa santidade. Andam espalhados por aí: numa mão a pena, noutra a espada. Deus nos defenda deles.” Estas palavras de sabedoria foram-me ditas por um sacerdote, há alguns anos atrás. Como em tudo na vida, há que ter bom senso e saber separar o trigo do joio.
E se porventura os padres que conhecemos ao longo da nossa vida, por qualquer motivo não nos inspiraram, não nos cativaram com o seu discurso, quem sabe se poderá existir ali na “paróquia do lado” um que é mesmo capaz de mudar a nossa vida…
Com toda a humildade, espero que estas linhas possam ser um contributo para o início de uma reflexão e, quem sabe, de uma vida mais rica e feliz.
Flores silvestres junto à Fonte do Santuário